8.1.15

Salman Rushdie sobre o ataque à Charlie Hebdo




"A religião, que é uma forma medieval de irracionalidade, quando se combina com armamentos modernos, torna-se uma ameaça real às nossas liberdades. O totalitarismo religioso tem causado uma mutação mortal no coração do Islã. Vimos as consequências trágicas disso hoje em Paris. Estou com Charlie Hebdo, como todos nós devemos estar, para defender a arte da sátira, que sempre foi uma força pela liberdade e contra a tirania, a desonestidade e a burrice. O “respeito pela religião” tornou-se um chavão que significa “medo da religião”. As religiões, como todas as outras ideias, merecem crítica, sátira e, sim, nossa destemida falta de respeito."



RUSHDIE, Salman. Declaração ao Wall Street Journal. 07/01/2015.

4 comentários:

ADRIANO NUNES disse...

Cicero,

Salman Rushdie sempre lúcido e antenado. Lembrei-me daquela conversa ótima, à beira mar, que tivemos sobre ele e suas referências a Machado de Assis como um dos precursores da literatura fantástica.

Abraço forte,
Adriano Nunes

Anônimo disse...

o fanatismo religioso supera todos os demais (futebol, política e por aí vai)

É um post triste, mas necessário. Impossível passar em brancas nuvens.

Se a política no Brasil há 500 anos é homicida ou genocida, o fanatismo religioso o é há muito mais tempo no Oriente Médio e na Europa, e parece-me que só depois do 11 de setembro a classe média, o homem comum, veio dar-se conta. Isso, infelizmente, ainda vai render sangue e vida inocentes.

Arsenio Meira

Antonio Cicero disse...

Publico a seguir uma crítica que foi feita por Julio Almeida, na minha página do Facebook, à declaração de Rushdie. Em seguida, publico a minha resposta a essa crítica:

Julio Almeida:


Criticar o fundamentalismo é criticar os excessos. A crítica pode ser necessária, tolerável e até pertinente. Mas dizer que as religiões merecem falta de respeito é cometer um excesso também. É transformar a liberdade de expressão numa crença cega, fundamentalista. A liberdade de imprensa e a liberdade de credo são valores que devem conviver harmonicamente nos Estados modernos e democráticos. A isso serve a liberdade. O credo de um indivíduo integra sua personalidade, sua identidade, ou seja, a forma como ele se define no mundo. A sátira ofensiva transborda os limites da liberdade de expressão quando se choca com outros direitos, especialmente direitos da personalidade da vítima da sátira. Ou pior, quando a sátira se presta a divulgar, a manter vivo um discurso político (político no sentido amplo, capaz de influenciar o comportamento dos indivíduos na polis) que alimenta o preconceito, o racismo, etc., também mereceria então nossa falta de respeito. Mas de forma proporcional à ofensa, claro!

Antonio Cicero:

Julio, você afirma que “dizer que as religiões merecem falta de respeito é cometer um excesso também”.

Não concordo. Salman Rushdie diz, com toda razão, que “o respeito pela religião” tornou-se um chavão que significa “medo da religião”. Isso é intolerável. As religiões são sistemas de ideias, isto é, ideologias. E todas as ideologias merecem ser desrespeitadas, no sentido de merecerem ser criticadas e satirizadas. Poder desrespeitar ideias é um exercício legítimo da liberdade de expressão.

Isso não significa negar a liberdade de credo. Cada qual pode ter acreditar nas ideias que quiser. Mas também cada qual tem o direito de criticar as ideias que quiser.

O que você chama de “credo” são as ideias em que uma pessoa acredita. Essas ideias, segundo você, integram “sua personalidade, sua identidade, ou seja, a forma como o indivíduo se define no mundo”.

Pois bem, eu sou ateu. Acredito que seja impossível existir o Deus das religiões monoteístas e que acreditar em tal Deus é nocivo. Essa convicção faz parte da minha personalidade e identidade, ou seja, da forma como eu me defino no mundo. Pois bem, os religiosos todo o tempo desrespeitam as ideias dos ateus. No entanto, jamais me passaria pela cabeça proibi-los de desrespeitar essas ideias ateias. E tenho a convicção de que, por outro lado, eles não têm o direito de me impedir de desrespeitar as ideias religiosas deles.

Uma coisa completamente diferente seria eu dizer que os religiosos não têm o direito de existir, que eles devem ser enviados para campos de concentração etc. Isso, sim, seria intolerável, pois significaria pregar violência contra um grupo de cidadãos que, enquanto tal, nada está fazendo de ilegal.

Do mesmo modo, é intolerável que alguém ataque um grupo pela sua raça ou pela sua orientação sexual.

Mas criticar, satirizar, isto é, desrespeitar ideias, sejam quais forem, tem que ser permitido.

Anônimo disse...

Cicero, perfeito. A religião, de há muito, vai deixando de ser religião: vai se transmutando, dentre outras vertentes, em partido político, com ideologias (algumas sanguinárias), que devem ser combatidas a ferro e fogo. Ou alguém aqui acha que o Hamas, um partido político, arrimado em "preceitos religiosos", merece nossa deferência ou Israel com sua (atroz) política de revide, em nome do Messias, que ainda não veio, idem?
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Arsenio Meira